sexta-feira, 3 de julho de 2009

Os Crimes de Sarney

Eduardo Guimarães

De uns tempos para cá, surgiu mais um supervilão temporário no Brasil. A simples menção de seu nome passou a significar corrupção e todos os outros pecados da classe política desde que os portugueses vieram dar aqui. Pelo menos é isso que se depreende da leitura dos grandes jornais, portais de internet ou ouvindo as grandes rádios ou assistindo a todas as tevês comerciais.

O noticiário é pasteurizado. No começo da noite, escolha o canal de televisão que quiser e lá estará o rosto sulcado pelos anos do ex-presidente da República, com seu bigode sorrindo amarelo diante de um rosário de execrações eletrônicas.

Então me pergunto, para previsível horror de alguns, quais foram os crimes que aquele velhinho simpático cometeu. Puxo pela memória... O que é que sei de José Sarney?

Bem, lembro-me de que ele era do PDS (Arena), o partido da ditadura militar. E sei que integrou a Frente Liberal, dissidência pedessista que aderiu à campanha de Tancredo Neves, do PMDB, à Presidência, motivo pelo qual Sarney entrou no PMDB – para poder disputar a eleição presidencial de 1985 no Colégio Eleitoral pelo outro partido do bipartidarismo da ditadura.

Aliás, relembrar aquela disputa pode nos aclarar a memória.

Tancredo disputaria com o pedessista Paulo Salim Maluf, que disputou com o ex-ministro e coronel Mário Andreazza a candidatura do partido dos generais à Presidência em 1985. Maluf venceu a convenção do PDS torrando dinheiro público em comendas de flores para esposas de congressistas do partido, segundo dizia a imprensa na época.

Com a morte de Tancredo, Sarney se tornou a esperança do Brasil. O país acreditou nele porque queria ser livre. Acreditava que a democracia resolveria todos os seus problemas, o que obviamente nunca aconteceu. E nem poderia, pois só depois de mais de duas décadas os brasileiros entenderam qual era o caminho para melhorarem de vida...

Antes que a digressão se agrave, volto a Sarney. O que mais sei dele?

Seu governo nos trouxe, logo em seu limiar, o Plano Cruzado. O Brasil sofria com uma inflação ascendente e fora de controle. O salário nominal no início do ano, sem reajuste não valeria nem um terço no fim. Havia uma queda de braço entre salários e preços na economia.

Sarney fez a nação se levantar para seguir um sonho. Surgiram os fiscais do Sarney. Fecharam supermercados, gritaram sua cidadania aos quatro cantos do país denunciando burlas do congelamento de preços que o presidente oriundo do partido de ultra-direita implantou sob a batuta de uma economista tida como “de esquerda” como Maria da Conceição Tavares.

O sonho, porém, virou pesadelo. Após alguns meses de preços congelados, o comércio e a indústria se recusaram a continuar trabalhando sem a mágica da indexação que no processo inflacionário lhes produzia ganhos financeiros imensos.

Não havia como sustentar mais o congelamento. Locaute, ágio, desabastecimento... Segundo me dizia a imprensa numa época em que eu tinha menos condição de entender sozinho o que estava acontecendo em meu país, o congelamento foi postergado porque Sarney cedeu ao seu partido e promoveu o que ficou conhecido como o maior estelionato eleitoral da história.

Era 1986 e de fato o PMDB ganhou quase todos os governos estaduais. E o Brasil, por sua vez, quebrou de novo poucos meses depois, com preços disparando mais do que antes do congelamento.

Só não consigo entender qual é a diferença entre aquele estelionato eleitoral e o estelionato praticado por Fernando Henrique Cardoso em 1998, quando, por conta da eleição daquele ano, segurou a desvalorização do real da mesmíssima forma que José Sarney segurou o congelamento de preços em 1986.

O que mais sei de José Sarney?

Ah, sim, ele de fato é um oligarca. Sua família manda no Maranhão e ninguém duvida disso. Aliás, muitos da mesma origem política que ele estão hoje aparecendo na tevê denunciando o ex-companheiro. Como Agripino Maia, por exemplo, que floresceu politicamente no mesmo partido que Sarney e que em seu Estado não pode ser chamado exatamente de um, digamos, “não-coronel”.

Mas Sarney é do PMDB, ora. Esteve ao lado de Fernando Henrique Cardoso e está ao lado de Lula, pois Sarney é do PMDB e este, desde 1986, sempre é governo.

O que parece chocar os coronéis do Dem e do PSDB, a Agripino Maia, ao Grampinho (ACM Junior) ou ao coronelão Tasso Jereissati, é que Sarney também é coronel. Só que, como é mais velho, é mais coronel do que eles, pois começou antes.

De resto, não sei o que mais pesa contra Sarney. Deveria haver mais, pelo que falam dele. É um oligarca. Foi favorecido pela ditadura. Disso não tenho dúvidas. Mas ser oligarca é suficiente para ser apresentado como o grande pai da corrupção nacional? Não, mas as posições políticas atuais de Sarney são mais do que suficientes, é óbvio.

Ou talvez alguém saiba de algum crime de Sarney que esqueci de mencionar. Seria interessante enumerarem aqui os outros crimes do ex-presidente para mensurarmos se é possível atribuir a ele mais do que aos seus pares todos, sobretudo àqueles que o acusam.

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