quarta-feira, 28 de maio de 2008

JORNALIRISMO


Conheci o jornalista e escritor Guilherme Azevedo no fim do ano passado, à época da formação do Movimento dos Sem Mídia. Ele foi à minha casa gravar uma entrevista em áudio e vídeo comigo, sobre a ONG que acabara de se constituir depois da manifestação diante da Folha de São Paulo. Dali em diante, tornamo-nos amigos. Guilherme já trabalhou como repórter, redator, editor e colunista da Agência Folha, trabalhou na revista “Caros Amigos” e nas agências de publicidade "Giovanni+DraftFCB" e "AgênciaClick". Também escreveu o livro “As Aventuras de Alencar Almeida (o repórter)”. Atualmente, é editor do belo site "Jornalirismo", que se dedica a "comunicação e arte em suas muitas manifestações, como o jornalismo, a propaganda, a literatura e a fotografia". Na noite de ontem (terça-feira), o Jornalirismo promoveu, na livraria Fnac, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, um debate que contou com a presença do jornalista Luis Nassif, do cineasta Maurício Eça e do poeta Sérgio Vaz. O jornalista Pedro Dória, do grupo Estado, também havia sido convidado, porém não pode comparecer devido a compromisso de última hora. Contudo, gravou em vídeo uma mensagem para os debatedores e a platéia.

Creio que o acontecimento merece um relato mais aprofundado, pois o debate acabou enveredando pelo tema que traz as pessoas a este blog (a mídia) e, principalmente, pelo fenômeno dos blogs. Nassif fez uma brilhante exposição sobre a blogosfera e deu até receitas para blogueiros. Antes de tratar do debate, porém, quero falar um pouco sobre os debatedores.

Dos debatedores

Luis Nassif é autor de Dossiê Veja, uma série de denúncias contra a revista Veja, do Grupo Abril. Em seu blog (leia aqui), Nassif vem publicando acusações de que a Veja usaria seu conteúdo editorial para favorecer negócios próprios e atacar adversários. Como fonte das denúncias, o jornalista utiliza a análise da própria revista e dicas de leitores.

Pedro Doria é colunista do caderno “Link” e repórter especial do caderno “Aliás”, do jornal O Estado de S.Paulo. Também publica um blog (leia aqui) sobre assuntos internacionais. Especialista em mídia digital, Doria é um dos precursores do jornalismo na Internet brasileira e participou da criação de sites jornalísticos que fizeram história, como o NO. e o NoMínimo.O cineasta Maurício Eça já realizou mais de 100 videoclipes, entre eles, o premiado Diário de um Detento, para o grupo Racionais MC´s. Maurício é também autor de importante trabalho sobre a periferia das grandes cidades. No longa-metragem Universo Paralelo, de 2004, Maurício, Teresa Eça (irmã do cineasta) e o rapper Cobra acompanharam, por seis anos, a vida de moradores do bairro Capão Redondo, conhecido pela combinação explosiva de pobreza e violência, em São Paulo.O poeta Sérgio Vaz é o criador e o organizador da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), um dos movimentos culturais mais importantes da periferia de São Paulo. Toda quarta-feira, Vaz comanda o Sarau da Cooperifa, em que escritores de bairros pobres e a população em geral experimentam uma noite de poesia, apresentando seus textos. O poeta é autor, também, do livro Colecionador de Pedras (Global Editora) e publica um blog (leia aqui).

Do debate

Apesar das instigantes participações do cineasta e do poeta, acredito que a estrela do evento foi mesmo Luis Nassif. Graças à sua participação os temas imprensa - com destaque para o caso Veja - e blogs permearam a noite.

O debate começou a esquentar quando recebi uma deixa do editor do Jornalirismo, Guilherme Azevedo, que mediava o debate. Ele anunciou, ao microfone, minha presença na platéia. Foi uma senha para que eu disparasse a primeira pergunta do público.

Nassif acabara de fazer uma exposição sobre o dossiê Veja e sobre o comportamento dos quatro grandes meios de comunicação que lideram a reação conservadora ao governo Lula (Veja, Folha, Estadão e Globo). Pedi, então, para falar, e anunciei que faria "a pergunta do século", ou seja, "por que?". Essa pergunta refere-se ao seguinte: está claro o considerável prejuízo de credibilidade que a grande mídia está tendo com o processo em que mergulhou. Perda de audiência, inclusive, é apenas um dos resultados dessa perda de credibilidade. O que a mídia ganha com isso?

Minha pergunta foi ao Nassif e ele deu uma explicação longa, mas que, apesar do brilhantismo do jornalista, não me satisfez Em minha opinião, nem ele, um dos jornalistas mais experientes do país, que chegou a integrar o Conselho Editorial da Folha e que conhece "o sistema" por dentro, entende bem a razão de esses meios de comunicação terem mergulhado nesse processo suicida, que está causando perda de circulação aos jornais e revista e queda pronunciada da audiência da Globo.

Um dos pontos altos do debate foi a exposição do Nassif sobre o fenômeno dos blogs. Ele explicou como, a partir do seu blog, ele mesmo vai formando sua opinião, devido ao diversificado e altíssimo nível de seus leitores comentaristas. Exemplificou relatando o que aconteceu, por exemplo, durante a catarse que sucedeu o acidente com o avião da TAM, no ano passado. Em um dia, em resposta a provocação que fez em seu blog quanto ao desastre, relatou que publicou mais material pertinente sobre o assunto, via contribuições de seus leitores-comentaristas, do que a mídia havia feito em uma semana inteira. E é verdade. Aqui mesmo no Cidadania especialistas em aviação haviam se manifestado sobre o desastre, dizendo que a tese da falta de ranhuras (grooving) na pista de Congonhas, que a mídia dizia ser a causa do acidente, não explicava a tragédia.

Das receitas de Nassif para blogueiros, está a capacidade que devem ter de conviver com o contraditório sem permitir que as "abelhas assassinas" envenenem o ambiente, e até a capacidade de saber quando ceder, admitindo erros a que qualquer um que lida com comunicação está sujeito. Segundo Nassif, é essa "sintonia fina" que faz a diferença entre os blogs que valem a pena ser lidos e os que são dispensáveis.

Pessoalmente, digo que, apesar da profusão de blogs, poucos são os que valem a pena ser lidos, porque uma grande parte deles limita-se ao famoso "corte e cole", ou seja, a reproduzir conteúdos disponíveis na internet, uma prática que é válida, segundo Nassif, que acredita que o trabalho de um jornalista da internet hoje é, também, o de organizar a informação disponível. Contudo, Nassif produz conteúdo e acrescenta dados aos debates, dados relevantes. Quando blogueiros limitam-se a copiar conteúdos, muitas vezes sem dar crédito a quem os produziu, e descuidam do uso do idioma, nada acrescentando aos debates, seus blogs tornam-se dispensáveis.

Outros resultados

Outros resultados, como direi?, "bacanas" do meu comparecimento àquele evento foi poder ter tido um dedo de prosa com o Nassif, perguntando de sua disposição em participar do seminário sobre a mídia que o Movimento dos Sem Mídia irá promover. Nassif não só me prometeu participar, como debatedor, como também me ajudar a conseguir a participação de outras estrelas do jornalismo. Falei com ele sobre Olavo de Carvalho, de quem Nassif se diz amigo. Será importante para o debate a ser promovido pelo MSM que tenhamos participantes de todos os lados do espectro ideológico.

Aliás, sobre Olavo de Carvalho, Nassif me lembrou de um dado interessante. Apesar de ser conhecido por suas posições extremamente conservadoras, o editor do site Mídia Sem Máscara não embarcou na onda golpista da grande mídia. Com efeito, ao lado de figuras como um José Nêumanne, do Estadão, com quem já mantive intenso contato no passado, ou um Gaudêncio Torquato, outro conservador do Estadão, Olavo de Carvalho pertence à direita civilizada e inteligente. São pessoas das quais se pode divergir, mas que, à diferença de um Reinaldo Azevedo, podem contribuir para um debate de bom nível, interessante e instigante.

Ao fim do evento, meu amigo Guilherme Azevedo me permitiu ocupar o microfone para falar do Movimento dos Sem Mídia à platéia e aos debatedores. Acredito que foi possível despertar o interesse dos presentes e disso certamente advirão novos apoios.

Ao fim da noite, no entanto, depois de sair do evento, fui para casa dormir com a dúvida que nem um Luis Nassif conseguiu me esclarecer. Afinal, o que é, diabos, que leva jornais, revistas e tevês a se manterem num processo que lhes está exterminando o bem maior de um meio de comunicação, que é a credibilidade?

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