A Nova Ordem mundial
Democratas de todas as partes deveriam estar exultantes. A grande imprensa e os políticos de direita das Américas, que são uma coisa só, sofreram uma enorme derrota nos últimos dias na questão do golpe de Estado em Honduras.
Fiquemos com a imprensa corporativa brasileira como exemplo, que já estava pronta a fazer o que sempre faz quando a direita daqui ou de qualquer parte dá golpes de Estado – ou seja, apoiá-los.
Ensaiaram esse apoio. Começaram a vender a justificativa dos golpistas hondurenhos para o golpe daquele jeitinho que a ditadura militar vendeu a morte de Wladimir Herzog, tratando como verossímil uma imagem descabida do que disseram ter ocorrido, e ainda dando a ela uma explicação obviamente falsa.
No caso de Herzog, encontraram-no “enforcado” com o próprio cinto com este preso à grade de uma janela que ficava a uma altura do chão bem inferior à altura do enforcado.
No caso recente da deposição do presidente de Honduras, tirado da cama de madrugada sob a mira de armas, levado ao aeroporto com a família e deportado sumariamente, a imagem destes fatos equivale à de Herzog durante a ditadura militar.
Certamente que os golpistas confiaram que poderiam ter sucesso. Nem eles, nem a mídia latino-americana pareceram sequer suspeitar de que haveria a reação de governos e de instituições multilaterais que se viu.
A pergunta que se tem que fazer, pois, é sobre por que acharam que poderiam fazer uma coisa daquelas e se dar bem. A resposta é simples: porque fizeram a mesma coisa noutras vezes e se deram mais do que bem.
E por que se deram bem antes e agora não tiveram sucesso? Esta é a outra questão crucial a esclarecer.
A resposta também é simples: antes, os Estados Unidos apoiavam golpes de Estado em qualquer parte contanto que a ideologia do golpista coincidisse conjunturalmente com a sua como foi no caso de Saddam Hussein, apoiado e armado por Bush pai e depois derrubado e executado por Bush filho.
Lembrem-se de que Bush deu apoio a golpistas quando fizeram contra Hugo Chávez o mesmo que agora a Manuel Zelaya e a grande imprensa daqui, da Venezuela, dos EUA, enfim, a das três Américas – com a provável exceção da imprensa do Canadá –, comemorou e apoiou.
Poucos já entenderam, no Brasil, aquilo que os chefes de Estado que foram duros com os golpistas hondurenhos e todos os presidentes de organismos multilaterais e de blocos econômicos já entenderam: o golpismo não se sustenta mais na nova ordem mundial que está nascendo.
No século XXI, todos os excessos de governos autoritários ou de oposicionistas golpistas foram condenados com grande decisão pela Comunidade Internacional, mas foi na América Latina que essas condenações têm tido sucesso em reverter ações golpistas.
Alguns virão entoar o discurso que está sendo esmagado, de que Zelaya e Chávez é que são golpistas porque “pretendiam” fazer isto ou aquilo. Como falam sobre o que não fizeram e eles são apoiados por eleições legítimas, não há o que fazer.
A direita – rica, influente, mas mergulhada numa espécie de transe autoritário e elitista – não quer entender o que o mundo cada vez mais demonstra que já entendeu, que o voto tem que ser respeitado com jornais e tevês gostando ou não do resultado das eleições.
A começar pela Venezuela, com a tentativa do governo Bush de derrubar Hugo Chávez, depois com Evo Morales e a recente tentativa de golpe no ano passado, e depois a tentativa de invadir o território equatoriano usando tropas colombianas que os EUA financiaram, treinaram e armaram, golpes não prosperam mais nas Américas.
Todas essas tentativas recentes de retomar prática tão exitosa na América Latina no século passado, a de derrubar sem justificativa governos de esquerda, fracassaram miseravelmente na América Latina no século XXI. Pelo menos por aqui a democracia vai se impondo.
Essa reação da humanidade ao mandonismo americano em seu “quintal” e nos “quintais” de aliados obrigou a aliança da opressão a gastos militares incompatíveis com a boa governança macroeconômica, tendo que manter esforços de guerra monumentais tentando coexistir com políticas saudáveis de fomento paralelo do desenvolvimento pelo Estado.
Aliás, são tais políticas que, adotadas com maior êxito hoje no mundo pelos Bric’s (Brasil, Rússia, Índia e China), têm mantido o grupo em posição econômica e estratégica muito superior à dos países ricos, o que está deslocando o eixo do poder no mundo e significa, ainda que poucos entendam ou queiram entender, que o Brasil é hoje um player global, sim.
É inegável que o consenso entre a comunidade internacional passou a ser o de que o golpismo é incontrolável – e, portanto, ruim para todos –, e esse consenso está levando ao mundo um recado: todo golpismo será condenado e punido pela Comunidade Internacional, ou seja, pelos organismos multilaterais e pelos governos legitimamente eleitos.
Ao menos na América Latina, já se vê que financiamentos a países vítimas de golpe de Estado serão suspensos, como no caso do Banco Mundial, que suspendeu todos os empréstimos a Honduras; haverá fechamento de fronteiras dos países limítrofes, retirada de embaixadores, isolamento do mundo.
Apesar de a grande imprensa brasileira estar escondendo que as manifestações contra os golpistas se espalham por Honduras, que Manuel Zelaya não propôs emenda da reeleição e sim uma pergunta ao povo sobre se deveria ser convocada uma Assembléia Nacional Constituinte, e apesar de as seções de cartas de leitores dos jornais apoiarem os golpistas, jornais e tevês divulgaram editoriais protocolares e discretos condenando o golpe.
Foram pouquíssimos, na grande imprensa das Américas, que ousaram apoiar explicitamente os golpistas de Tegucigalpa. Nesse aspecto, faça-se justiça ao blogueiro da Veja Reinaldo Azevedo, que disse abertamente a verdadeira opinião de seu patrão, dos amigos dele na mídia transnacional e entre os partidos de direita espalhados pelo continente.
Esse grupo político e social apóia a velha prática golpista de chutar para fora do cargo governantes de esquerda pouco importando o que pensa a maioria naquelas sociedades, pois maiorias são tidas por esses grupos políticos de direita como incapazes de tomar decisões sobre o rumo de uma nação.
Aliás, o blogueiro ao qual me referi fala sempre sobre por que se deveria evitar chamar as maiorias a decidirem qualquer coisa. Muitas vezes, não lhes reconhece direito nem a escolher governantes.
De qualquer forma, não haveria por onde a grande imprensa internacional – e, sobretudo, por onde a golpista imprensa latino-americana – manter apoio a um golpe de Estado num momento em que em nenhum continente foi possível encontrar apoio mais do que envergonhado ao golpe em Honduras.
Vejo aí um fato político e institucional da maior relevância. A imprensa golpista latino-americana foi literalmente obrigada a condenar o que estava doidinha para apoiar. Não é pouco, convenhamos. Não me lembro de outra vez em que isso aconteceu...
Nenhum comentário:
Postar um comentário