A dupla tragédia paulista
Se se puder mensurar as tragédias pelo número de mortes que causam, a que ora acontece no Rio de Janeiro não é muito pior do que a que aconteceu em São Paulo no último verão, com a diferença de que a tragédia das águas em São Paulo vem se mostrando crônica e a do Estado vizinho ao meu, episódica.
Pode-se, pois, atribuir muito mais a tragédia carioca a fenômenos climáticos do que a de São Paulo, onde inventaram um mega fenômeno que durou meses. Porque, segundo as últimas contagens, em São Paulo morreram cerca de oitenta pessoas ao longo de três meses e no Rio de Janeiro cerca de 130 pessoas morreram em questão de poucos dias.
Vale esclarecer, porém, que é uma bobagem de proporções meteorológicas dizerem que em tal dia choveu tudo que havia para chover em um determinado período simplesmente porque o clima não obedece a esquemas matemáticos e isso não é novidade nem para meteorologistas, nem para governantes. E quem diz isso são os meteorologistas.
Outro ponto a destacar é o de que, em São Paulo, as mortes concentraram-se mais em áreas urbanas por conta de acidentes causados pelas enxurradas nas vias entupidas por lixo e impermeabilizadas à vazão das águas, enquanto que, no Rio de Janeiro, as vidas se perderam muito mais devido a ocupação irregular em encostas, nas áreas de risco de deslizamentos.
Infelizmente, a imprensa partidarizada tratou a tragédia carioca diametralmente diferente da paulista, o que faz parecer que há alguma diferença entre morrerem oitenta ou cento e trinta pessoas. Essa gradação macabra, assim, não passa de desrespeito à vida humana.
É claro que tanto em São Paulo quanto no Rio desgraças são obra de gerações de governantes incompetentes, irresponsáveis e/ou corruptos. E os atuais governantes de um Estado e do outro são igualmente culpados, pois nem no meu Estado nem no vizinho houve preocupação com a vida humana a ponto de prevenirem tais desgraças.
É muito fácil atribuir a culpa ao povo que se instala em áreas de risco quando este não tem para onde ir tanto quanto é fácil culpá-lo pelas enchentes por atirar lixo nas ruas quando não se faz coleta de lixo adequada e não se desassoreia rios depositários de esgoto e de toda sorte de detritos.
Se as duas tragédias são de culpabilidade dos governantes presentes e pretéritos (mais destes) dos dois Estados, não se entende a predileção da imprensa pela tragédia e pelas culpas cariocas. Por que a tragédia carioca ocupa 30 minutos do Jornal Nacional e a paulista, 2 ou 3 minutos?
As conclusões são óbvias: um Estado é governado por aliados da imprensa e o outro, por adversários, por mais que seja bizarro constatar uma imprensa que se diz imprensa e que assim mesmo tem aliados e adversários políticos...
Enfim, penso que as desgraças no Rio ou em São Paulo mostram que os Estados e municípios têm sido governados muito aquém do mínimo respeito à vida humana só porque a sociedade não se importa com as populações mais fragilizadas pela pobreza e, assim, não exige que alguma coisa seja feita nas regiões onde essas catástrofes são recorrentes.
Resta lamentar que as tragédias estejam sendo graduadas de acordo com interesses políticos da imprensa, de forma que esta faz pressão sobre alguns governantes e não faz sobre outros. Diante disso, por a imprensa estar fazendo seu trabalho no Rio e não ter feito em São Paulo, acho que os paulistas ficaram no prejuízo duas vezes.
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