Quem acredita em Gilmar Mendes?
Por Wálter Fanganiello Maierovitch, no sítio Terra Magazine:
O ministro Gilmar Mendes já foi pego na mentira. Isto quando sustentou o
“grampeamento” de conversas telefônicas com o senador Demóstenes
Torres, seu grande amigo. Para a Polícia Federal, por meio de perícias,
não houve interceptações e gravações de conversas. Na perícia realizada
não atuaram os célebres peritos Ricardo Molina nem Badan Palhares.
À época, Gilmar Mendes, que estava na presidência do Supremo Tribunal
Federal (STF), saiu atirando pela mídia. Disse que chamaria o
presidente Lula às falas. Por suspeitar da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), Gilmar Mendes exigiu a saída imediata do seu
diretor-geral, que era o íntegro delegado Paulo Lacerda, de relevantes
serviços ao país, em especial quando dirigiu a Polícia Federal. A
propósito, Lula, vergonhosamente, entregou a cabeça de Lacerda e
ofereceu um exílio na embaixada do Brasil em Lisboa.
Para dar sustentação à afirmação de Gilmar Mendes, entraram em cena (1)
Demóstenes Torres, que confirmou o diálogo com Gilmar Mendes e o teor de
uma gravação transcrita pela revistaVeja, e (2) Nelson Jobim, aquele
que confessou, em livro laudatório e promocional, ter colocado na
Constituição da República artigos desconhecidos e não aprovados por seus
pares (deputados) constituintes. Sobre isso, colocou, quando o
escândalo veio a furo, a culpa em Ulysses Guimarães, que, por estar
morto, não poderia responder. Atenção: no livro laudatório, Jobim não
mencionou Ulysses Guimarães e o escândalo foi revelado porque, pasmem
!!!, algum ingênuo entendeu em ler o escrito por Jobim.
Segundo Jobim, então ministro da Defesa e para apoiar Gilmar Mendes, as
Forças Armadas tinham emprestado um aparelho, cujas especificações
mostrou aos jornalistas, para “grampeamentos telefônicos” à Agência
Brasileira de Inteligência (Abin).
As Forças Armadas desmentiram o ministro Jobim ao revelar que não houve o
empréstimo e que Jobim havia apresentado, quanto ao equipamento que
teria sido emprestado, catálogos de empresas vendedoras de equipamentos
de segurança. Catálogos que eram distribuídos em lojas de shopping
center.
Como se percebe, a dupla Mendes-Jobim seria qualificada, numa Comissão
Apuratória e pelos antecedentes mendazes com trânsito em julgado, como
suspeita de não falar a verdade.
Com efeito, Mendes, agora, sustenta ter encontrado Lula no escritório de advocacia de Nelson Jobim.
Como dizia Carl Gustav Jung, mestre da psicanálise, coincidências não
existem. Sobre isso, Jobim afirmou que o encontro no seu escritório de
advocacia foi uma coincidência, pois foi visitado por Lula quando Gilmar
Mendes estava por lá.
Lula aparecer de surpresa no escritório de Jobim não dá para acreditar. E
o que fazia um ministro do STF num escritório de advocacia?
Para Mendes, o ex-presidente Lula o pressionou para adiar o julgamento
do Mensalão e insinuou saber da sua presença em Berlim na
companhia
de Demóstenes Torres. Não bastasse a insinuação, Lula teria assegurado
que tal fato não seria apurado, pelo seu poder de mando, pela Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Em outras palavras, não entraria
na apuração a suspeita de encontro em Berlim sob patrocínio financeiro
de Carlinhos Cachoeira.
Jobim diz à revista Veja que não ouviu essa parte da conversa. Talvez
(imagina este colunista depois de conversas com a sua caneta-falante)
tenha Jobim desligado o seu invisível aparelho de surdez ou ingressado
no banheiro. Ou, talvez, esteja Jobim reservando-se para uma eventual
convocação, como testemunha, à CPMI ou a juízo. Nesse ínterim, pode até
“pintar” um ministério para Jobim, apesar de já ter sido defenestrado
pela presidente Dilma.
O grampo sem áudio que vitimou Paulo Lacerda e a Abin envolveu Mendes,
Jobim, Demóstenes e a Veja (a revista transcreveu a conversa
interceptada entre Mendes-Demóstenes, mas não exibiu o áudio). Como
favorecido pelo escândalo aparecia o banqueiro Daniel Dantas, solto por
liminares de Gilmar que contrariavam até súmula do STF.
Agora, a história do encontro casual (para a revista o encontro foi a
pedido de Lula) e a chantagem envolvem Jobim, Mendes, a Veja e Lula. A
quem interessa essa história ainda não está claro. Como pano de fundo, a
Veja coloca o Mensalão. O certo é que Jobim, Mendes e Lula estiveram
num mesmo escritório no mês de abril passado.
Pano rápido. Lula, que não é ingênuo e parece frequentar qualquer lugar,
pode ter caído numa armadilha, com Jobim funcionando como
testemunha-chave. Prefiro a conclusão da minha caneta-falante, “pelos
envolvidos, e num episódio típico de bas-fond francês de quinta
categoria, não existem balas perdidas” (inocentes).
A retaliação da Veja a Jobim
Por Luis Nassif, em seu blog:
Os fins de ciclo costumam ser profundamente didáticos. O final da
hegemonia expõe gradativamente os vícios do modelo anterior, as práticas
condenáveis, movidas pelo desespero, típicas de períodos de decadência.
Em 2008, na série "O Caso de Veja", mostrei como se processa esse
modelo de criação e destruição de reputações. Montam-se jogadas,
artimanhas, estratégias. Quem não se enquadra ao comando da publicação
imediatamente é alvo de represália.
Hoje em dia, com a revista em pleno foco, com suas práticas sendo
acompanhadas com lupa por toda a opinião pública - devido às ligações
com a organização criminosa de Carlinhos Cachoeira - iniciam-se as
represálias contra Nelson Jobim. Unicamente porque não endossou a
reportagem e expôs a mentira da revista.
Não há sutileza, visão estratégica, análise de crise. Há apenas a
truculência, a falta de sofisticação nas ações, o prendo-e-arrebento
midiático.
*****
Por Lauro Jardim
Radar on-line
Longe do Jobim
Reunião cancelada
Nelson
Jobim já andava queimado no PMDB por causa das críticas que fez ao
partido no último dia 17 deste mês, durante o 2º Fórum Nacional – o PMDB
e as eleições municipais 2012. Na presença dos principais caciques
peemedebistas, Jobim tratou o PMDB como uma sigla "sem opinião, sem cara
e sem voz", um partido sem projeto nacional, simples "homologador" do
PT.
Agora, depois de emprestar o escritório para o polêmico
encontro de Lula com Gilmar Mendes, Jobim virou uma espécie de leproso.
Nenhum cacique quer chegar perto de Jobim nesse momento. Tanto que a
bancada peemedebista do Senado cancelou hoje a reunião que teria nesta
quarta-feira com Jobim para discutir o pacto federativ
O jatinho para Demóstenes e "Gilmar"
Por Najla Passos e Vinicius Mansur, no sítio Carta Maior:Escutas
telefônicas interceptadas pela Polícia Federal (PF), com autorização da
Justiça, durante a Operação Monte Carlo, questionam se o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, “pegou carona” em um
jatinho fornecido pela quadrilha de Carlinhos Cachoeira, no dia 25 de
abril de 2011, quando teria retornado da Alemanha ao Brasil, na
companhia do senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO).
No
dia 23 de abril de 2011, às 19:31, o ex-funcionário da empreiteira
Delta e ex-vereador de Goiânia pelo PSDB, Wladimir Garcez, também preso
durante a Operação Monte Carlo, diz em ligação a Cachoeira que “o
Professor (Demóstenes) está querendo vir de São Paulo no avião do
Ataíde” e que “Gilmar” o acompanha. O documento da PF indaga: “Gilmar
Mendes?” Cachoeira responde “que pode autorizar” enquanto ele acha o
Ataíde.
Ataíde de Oliveira (PSDB-TO) é primeiro-suplente do
senador João Ribeiro (PR-TO) e empresário do ramo de construção civil,
incluído pela PF na lista de políticos ligados ao contraventor, preso na
Operação Monte Carlo.
Às 20:14, Wladimir volta a falar com
Cachoeira e informa que está providenciando o avião do Rossini. As
investigações da PF indicam que Rossini Aires Guimarães é sócio de
Cachoeira em uma empresa de segurança, a Ideal Segurança, e na fazenda
Gama, em Brasília.
Cachoeira: Qual é o avião do Rossini?
Wladimir: É um jatinho né, ele tem um que é um jatinho que ele falou, um King Air.
Cachoeira: A, um pequeno né?
Wladimir:
é... aí eu peguei falei com ele, ele falou não, não preocupa não que eu
organizo. Porque ta vindo ele e o Gilmar né, porque não vai achar vôo
sabe.Às 20:38, ainda no dia 23, Cachoeira pergunta a
Wladimir se o senador chega na “segunda cedo”. O ex-vereador informa que
“é tudo desconjuntado, ele sai de lá amanhã meio dia, que é sete horas
da manhã daqui” e que já deixou tudo acertado. O bicheiro pergunta que
horas o voo chegará em São Paulo e Wladimir responde “ seis horas da
manhã”.
No dia 25, às 12:10, Wladimir diz ao bicheiro que o senador já chegou.
Berlim
As declarações recentes de Gilmar Mendes, a propósito de um encontro com
Demóstenes em Berlim, fornecem indícios de que o “Gilmar” beneficiado
pela carona exposta nesta reportagem seria o ministro do STF, Gilmar
Mendes.
À revista Veja, Gilmar Mendes afirmou que se encontrou
com Demóstenes em Berlim, na Alemanha, mas negou as acusações de que
suas despesas foram pagas por terceiros. Ainda segundo a Veja, o
ministro teria uma filha residente em Berlim e, por isso, frequentaria a
cidade com regularidade.
Em
entrevista à Globonews na
noite desta segunda-feira (28), Mendes afirmou que o encontro com
Demóstenes aconteceu logo após uma “atividade acadêmica em Granada”.
Mendes
foi à Europa participar de um congresso internacional em homenagem ao
jurista italiano Antônio D’Atena, promovido pelo Fundação Peter Häberle e
pela Universidade de Granada, da Espanha. O congresso foi aberto no dia
13/4/2011, mas a participação de Mendes se deu na manhã do dia
seguinte, com a palestra “A integração na América Latina, a partir do
exemplo do Mercosul”.
A presença de Demóstenes em Berlim, por
sua vez, é confirmada por Cachoeira em uma ligação a Wladimir Garcez,
interceptada pela PF no dia 18/4/2011, às 18:08 horas.
Não há
registros públicos de quais atividades Demóstenes teria ido desenvolver
na Europa, mas levantamento feito por Carta Maior demonstra que ele não
participou das votações realizadas no plenário do Senado entre 13 e
25/4/2011.
Em nota oficial, Lula manifesta indignação
A assessoria de imprensa do Instituto Lula divulgou nota oficial onde o
ex-presidente manifesta indignação com o teor da matéria publicada pela
revista Veja. A nota afirma:
Sobre a reportagem da revista
Veja publicada nesse final de semana, que apresenta uma versão atribuída
ao ministro do STF, Gilmar Mendes, sobre um encontro com o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 26 de abril, no
escritório e na presença do ex-ministro Nelson Jobim, informamos o
seguinte:
1. No dia 26 de abril, o ex-presidente Lula visitou o
ex-ministro Nelson Jobim em seu escritório, onde também se encontrava o
ministro Gilmar Mendes. A reunião existiu, mas a versão da Veja sobre o
teor da conversa é inverídica. “Meu sentimento é de indignação”, disse o
ex-presidente, sobre a reportagem.
2. Luiz Inácio Lula da Silva
jamais interferiu ou tentou interferir nas decisões do Supremo ou da
Procuradoria Geral da República em relação a ação penal do chamado
Mensalão, ou a qualquer outro assunto da alçada do Judiciário ou do
Ministério Público, nos oito anos em que foi presidente da República.
3.
“O procurador Antonio Fernando de Souza apresentou a denúncia do
chamado Mensalão ao STF e depois disso foi reconduzido ao cargo. Eu
indiquei oito ministros do Supremo e nenhum deles pode registrar
qualquer pressão ou injunção minha em favor de quem quer que seja”,
afirmou Lula.
4. A autonomia e independência do Judiciário e do
Ministério Público sempre foram rigorosamente respeitadas nos seus dois
mandatos. O comportamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o
mesmo, agora que não ocupa nenhum cargo público.
Gilmar Mendes: foi por medo de avião…
Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:Suarento
e gaguejante, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes
apareceu na tela da Globo na noite de segunda-feira. Confirmou o
encontro com Lula e reafirmou que “houve a conversa sobre o Mensalão”.
Ok.
Mas em que termos? E o que isso teria a ver com a CPMI do
Cachoeira/Veja? Gilmar respondeu no melhor estilo rocambole, o estilo de
quem está todo enrolado: “Depreendi dessa conversa que ele [Lula]
estava inferindo que eu tinha algo a
dever nessa conversa da CPMI”.
“Depreendi”, “inferindo”. Hum…
De forma rocambolesca, Gilmar Mendes piscou. Pouco antes,
Lula publicara nota em que manifesta “indignação” com o teor da reportagem…PSDB/DEM/PPS e a velha mídia, numa estranha parceria com o PSOL, tentam transformar o encontro Lula/Mendes em
notícia, para impedir que venham à tona fatos gravíssimos já de conhecimento de alguns integrantes da CPI Cachoeira/Veja.
Qualquer
ser pensante pode concluir por conta própria: se Gilmar sentiu-se
“chantageado” ou “pressionado” por um ex-presidente, por que levou um
mês (a reunião entre ele e Lula teria ocorrido em 26 de abril) para
revelar esse fato ao
Brasil? E por que o fez pela “Veja”, em vez de informar seus pares no STF, como seria sua obrigação?
A explicação pode estar
aqui,
nos grampos que o tuiteiro Stanley Burburinho fez circular pela rede.
Nesses grampos, depreende-se que um tal “Gilmar” (e o próprio agente da
PF conclui que o citado parece ser ”Gilmar Mendes”) teria viajado num
jatinho emprestado pelo bicheiro Cachoeira. Na companhia (ou compania?)
de Demóstenes, o mosqueteiro da ética.
Parafraseando outro
ministro do STF, Celso de Melo: “se” a viagem de Gilmar Mendes no
jatinho do bicheiro se confirmar, estaríamos diante de um caso que não
teria outra consequência possível, se não a renúncia ou o impeachment.
Repito: “se” a viagem se confirmar. É preciso apurar. Os indícios são
gravíssimos.
A entrevista para “Veja”, seguida do suarento
balbuciar no JN da Globo, parece indicar desespero. Uma espécie de
defesa antecipada. Fontes na CPI informam que haveria mais material
comprometedor contra certo ministro do STF, nas escutas a envolver
Cachoeira.
A entrevista à “Veja”, portanto, teria como
explicação aquela velha canção: “foi por medo de avião… que eu peguei
pela primeira vez na sua mão”.
Mais que um aperto de mãos,
Gilmar Mendes e Veja podem ter dado um abraço de afogados. A Cachoeira é
funda e não se sabe quem conseguirá nadar até a margem…
Fenaj cobra explicações da Veja
Por Samir Oliveira, no sítio Sul 21:
A CPI realizada pelo Congresso Nacional que tenta investigar a
influência do bicheiro Carlinhos Cachoeira sobre o poder público acabou
suscitando um debate tão inesperado quanto necessário no país: a relação
da mídia com as esferas de poder, sejam elas políticas ou econômicas.
A
Polícia Federal identificou cerca de 200 conversas telefônicas entre o
diretor da sucursal da revista Veja em Brasília, Policarpo Júnior, e o
contraventor. A divulgação dessas escutas mostra que Cachoeira pautava a
publicação da editora Abril, que se deixava levar pelos interesses
políticos de um empresário fortemente ligado ao senador Demóstenes
Torres (ex-DEM).
Diante desse cenário, alguns parlamentares têm
defendido a convocação de Policarpo para depor na CPI, mesmo que o
relator Odair Cunha (PT-MG) já tenha rejeitado pedido de informações a
respeito. Para o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas
(Fenaj), Celso Schröder, a revista precisa explicar o que guiou sua
prática jornalística nesse episódio. “A Veja tem que dar explicações ao
Brasil.
É preciso explicar como ela exerce a atividade jornalística com essas
veleidades, com descompromisso e irresponsabilidade em relação a
princípios éticos e técnicos consagrados pelo jornalismo”, entende.
Nesta
entrevista ao Sul21, Schröder avalia a conduta da revista nesse e em
outros episódios e defende a necessidade de um marco regulatório para a
comunicação no país.
O que a CPI do Cachoeira pode nos dizer sobre a mídia brasileira?A
CPI está nos mostrando que a mídia é uma instituição como qualquer
outra e precisa estar submetida a princípios públicos, na medida em que a
matéria-prima do seu
trabalho
é pública: a informação. Quanto menos pública essa instituição for e
mais submetida aos interesses privados dos seus gestores ela estiver,
mais comprometida ficará a natureza do jornalismo. Como qualquer
instituição, a mídia não está acima do bem e do mal, dos preceitos
republicanos do Estado de Direito e do interesse público. Do ponto de
vista político, a Veja confundiu o público com o privado. Do ponto de
vista jornalístico, comete um pecado inaceitável: estabelecer uma
relação promíscua entre o jornalista e a fonte.
Não é só um repórter, mas é a organização, a chefia da empresa, que
conduz e encaminha uma atividade tecnicamente reprovável e eticamente
inaceitável. Todo jornalista sabe, desde o primeiro semestre da
faculdade, que a fonte é um elemento constituidor da
notícia
na medida em que ela for tratada como fonte. A fonte tem interesses e,
para que eles não contaminem a natureza da informação, precisam ser
filtrados pelo mediador, que é o jornalista. A fonte, ao mesmo tempo em
que dá credibilidade e constitui elemento de pluralidade na matéria, por
outro lado, se não for mediada e relativizada pelo jornalista, pode
contaminar o conteúdo.
Em que pontos a relação entre Policarpo Júnior e Cachoeira extrapolaram uma relação saudável entre repórter e fonte?
Ele não tratou o Cachoeira como fonte. O problema é um jornalista ou uma
empresa jornalística atribuir a alguém uma dimensão de fonte única,
negociando com ela o conteúdo e a dimensão da matéria e, principalmente,
conduzindo a Veja para uma atuação de partido político. Esse é um
pecado que a Veja vem cometendo há algum tempo. A oposição no Brasil é
muito frágil. Por não existir uma oposição forte, a imprensa assume esse
papel, o que é uma distorção absoluta. A imprensa não tem que assumir
essa função, a sociedade não atribui a ela uma dimensão
político-partidária, como a Veja se propõe.
A Veja acaba de nos produzir um dos piores momentos do jornalismo.
Quando houve o episódio da tentativa de invasão do apartamento do
ex-ministro José Dirceu (PT) por um repórter da Veja, eu escrevi um
artigo dizendo que, assim como Watergate tinha sido o grande momento do
jornalismo no mundo, a atuação da Veja no quarto de Dirceu foi um
anti-Watergate. Mal sabia eu que teríamos um momento ainda pior. Não foi
a ação individual de um repórter sem capacidade de avaliação. Foi uma
ação premeditada e sistêmica de uma empresa de comunicação, de um chefe
que conduzia seu repórter para uma ação imoral, tangenciando
perigosamente a ilegalidade.
O mesmo pode ser dito para o episódio recente entre Policarpo Júnior e Cachoeira?
Neste
momento, isso se consolida. É uma revista que coloca em jogo a
matéria-prima básica da sua existência: a credibilidade. Parece-me um
suicídio, inclusive do ponto de vista de um negócio jornalístico. A não
ser que a Veja esteja contando com um outro tipo de financiamento, ou já
esteja sendo subsidiada por outro mecanismo que não seja decorrente da
credibilidade e da inserção no público. Não temos dados concretos sobre
isso, mas tudo leva a crer que, nesse momento, o financiamento da Veja
esteja se dando por outro caminho. O comprometimento e o alinhamento
inescrupuloso da revista a uma determinada visão de mundo conduz à ideia
de que a Veja possa ter aberto mão de ser um veículo de comunicação
para ser um instrumento político com financiamento deste campo.
Mas a revista já passou por períodos em que era mais comprometida com o jornalismo. Como ocorreu essa mudança?
Não é de agora que a Veja vem dando indícios de que abre mão de um papel
de referência jornalística. A Veja foi fundamental para a
redemocratização do país, foi referência para jornalistas de várias
gerações e teve em sua direção homens como Mino Carta. Depois de um
certo tempo, a revista começa a alinhar-se a um determinado grupo social
brasileiro. É claro que os editores da revista têm opiniões e cumprem
um papel conservador no país. Tudo bem que isso aconteça nas dimensões
editoriais. Agora, que se reserve ao jornalismo informativo um espaço de
discussão com contrapontos. Princípios elementares do jornalismo foram
sendo abandonados e essa revista, que foi importante para a democracia e
para o jornalismo, passa a ser um exemplo ruim que precisa ser
enfrentado.
Como o senhor vê a possibilidade de Policarpo Júnior ser convocado para depor na CPI?
Tenho visto declarações de alguns políticos, como da senadora Ana Amélia
Lemos (PP-RS), que diz que o envolvimento do Policarpo nisso representa
um ataque à imprensa. Os jornalistas não estão acima da lei e não podem
estar acima dos princípios republicanos. Se ele for convocado pela CPI,
tem o direito de não ir. Se ele for, tem o direito de exercer a
prerrogativa do sigilo de fonte. Mas a convocação não representa uma
ameaça. A Veja tem que dar explicações ao Brasil. É preciso explicar
como ela exerce a atividade jornalística com essas veleidades, com
descompromisso e irresponsabilidade em relação a princípios éticos e
técnicos consagrados pelo jornalismo. Questionar isso é fundamental. Os
jornalistas e a academia têm obrigação de fazer esse questionamento.
Nesse sentido, não seria válido também convocar o presidente do Grupo Abril, Roberto Civita?
Parece que seria deslocar o problema. Na CPI, a Veja é um dos pontos. O
problema é a corrupção entre o Cachoeira e o Parlamento brasileiro. Um
depoimento do Civita geraria um debate que desviaria os trabalhos da
CPI. Não há dúvida de que a Veja praticou um mau jornalismo e deve
prestar contas. A CPI tem gravações de integrantes da revista com o
bicheiro. Que eles sejam convocados, então. Não é pouca coisa trazer o
chefe da sucursal da Veja em Brasília para depor.
As críticas à
Veja costumam ser rebatidas com argumentos que valorizam o trabalho
supostamente investigativo feito pela revista, com diversas denúncias de
corrupção. Entretanto, as gravações entre Policarpo e Cachoeira revelam
como funcionava a engenharia que movia algumas dessas denúncias.
Há
uma certa sensação de que estamos vivendo um momento de corrupção
absoluta no país. E isso está longe de ser verdade. Basta olhar a
história e ver que agora temos instituições democráticas funcionando. A
imprensa cumpre um papel democrático e fiscalizador importante com a
denúncia. O problema é que alguns setores, ao fazerem denúncias,
atribuem um papel absoluto à ideia da corrupção. No caso da Veja, o pior
de tudo é que a própria revista estava envolvida. Não é só um mau
jornalismo sendo praticado. Há indícios perigosos de uma locupletação –
que não precisa ser necessariamente financeira. Pode ser uma troca de
favores, onde o que a Veja ganhou foi a constituição de argumentos para
uma atuação política, não jornalística. Como se fosse o partido político
que a oposição não consegue ser.
Se a imprensa se propõe a esse tipo de coisa, volta a um patamar de
atuação do século XVIII. Se é para ser assim, que a revista mude de
nome e assuma o alinhamento a determinado partido. Agora, ao se
apresentar como um espaço informativo, a Veja precisa refletir a
complexidade do espaço político brasileiro. Se ela não faz isso, está
comprometendo o jornalismo e tangenciando uma possibilidade de
ilegalidade que, se houver, precisa ser esclarecida. A Fenaj não vai
proteger jornalistas criminosos.
A revelação desse
modus-operandi da Veja está gerando uma discussão quase inédita no país:
a mídia está debatendo a mídia. A revista Carta Capital tem dedicado
diversas capas ao tema e a Record já fez uma reportagem sobre o assunto.
É um fenômeno comum em outros países, mas até então não ocorria no
Brasil.
Nos anos 1980, quando a Fenaj propôs uma linha para a democratização da
comunicação, partimos da compreensão de que a democratização do país não
havia conseguido chegar à mídia. O sistema midiático brasileiro, ao
contrário de todas as outras instituições, não havia sido democratizado.
Temos cinco artigos da Constituição nessa área que não estão
regulamentados. Durante 30 anos tivemos diversas iniciativas de tentar
construir esse debate. A lógica da regulamentação existe em todos os
países do mundo. Mas, no Brasil, isso enfrenta resistências de uma mídia
poderosa, que fez os dois primeiros presidentes da República após a
democratização.
Sarney e Collor são dois políticos que saíram dos quadros da Rede Globo.
Na presidência do Congresso tivemos outros afilhados da Rede Globo,
como Antonio Carlos Magalhães, que também foi ministro das Comunicações.
A mídia não só está concentrada, no sentido de ter monopólios, como
está desprovida de qualquer controle público. Está absolutamente
entregue à ideia de que a liberdade de expressão é a liberdade de
expressão dos donos da mídia. Enquanto que o preceito constitucional diz
que a liberdade de expressão é do povo, e o papel da mídia é assegurar
isso.
Quanto se conseguiu avançar nesse debate desde então?
Estamos
há 30 anos pautando esse debate até chegarmos a Confecom (Conferência
Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009). A Fenaj
consegue constituir a ideia de que esse debate precisa ser público, já
que ele é omitido pela mídia, que atribui à essa discussão uma tentativa
de censura. A Confecom, no início, teve a anuência das empresas. Eu fui
junto com os representantes da RBS e da Globo aos ministros Helio Costa
(Comunicações), Tarso Genro (Justiça) e Luiz Dulci (Secretaria-Geral
da Presidência) propor a conferência. As empresas compreendiam que,
naquele momento, a telefonia estava chegando e ameaçava um modelo de
negócios. Mas, durante a Confecom, a Rede Globo e todos os seus aliados
se retiraram, tentando sabotar mais uma vez o debate.
O espírito conservador está no DNA da Rede Globo. Ela acostumou-se à
ideia de que para o seu negócio não deve existir nenhuma regra.
Acostumou-se a impor seus interesses ao país e, portanto, é
ontológicamente contra qualquer regra. Naquele momento em que a Globo se
retirou da Confecom ficou claro que não é possível contar com esses
empresários para qualquer tipo de tentativa de atribuir à comunicação no
Brasil uma dimensão pública, humana e nacional, regida por princípios
culturais, democráticos e educacionais, não simplesmente pelo lucro
fácil e rápido.
O editorial do jornal O Globo defendendo a
revista Veja é um indício de que há um corporativismo muito grande entre
os donos da mídia tradicional?
O princípio que os une é
aquele verbalizado pela Sociedade Interamericana de Imprensa: Lei melhor
é lei nenhuma. As empresas alinhadas à ideia de que não podem estar
submetidas à lei protegem-se. Abrigadas no manto de uma liberdade de
expressão apropriada por elas, protegem seus interesses e seus negócios,
atuando de uma maneira corporativa e antipública. O jornalismo é fruto
de uma atividade profissional, não é fruto de um negócio. Jornalismo
não é venda de anúncios. Jornalismo é, essencialmente, o resultado do
trabalho dos jornalistas. Portanto, a obrigação dos jornalistas é
denunciar sempre que o jornalismo for maculado, como ocorreu com a Veja.
Seria, também, uma obrigação das empresas jornalísticas, na medida em
que elas não estejam envolvidas com esse tipo de prática. Ao tornarem-se
cúmplice e acobertarem esse tipo de prática, as empresas aliam-se a
elas. Essas empresas disputam o mercado, mas protegem-se no que
consideram essencial, no sentido de inviabilizar a ideia de que exercem
uma atividade submetida aos interesses públicos, como qualquer outra.