sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Distantes da civilização

fonte: Cidadania

O fato político mais importante do momento, sem dúvida, é o impasse político-institucional em Honduras, que mobilizou todos os organismos multilaterais mais importantes do mundo e despertou a indignação e o inconformismo de todas as nações. Mais de sessenta países recusam-se a reconhecer o governo golpista.

Mas por que um paiseco da América Central, absolutamente irrelevante do ponto de vista econômico ou cultural, atraiu e mobilizou tanta atenção? Por que Honduras desperta tantas paixões num mundo em que governos despóticos se sucedem na África, na Ásia, cometendo barbaridades inimagináveis sem atraírem atenção sequer parecida?

Em primeiro lugar, há que entender que Honduras é o protótipo da nação latino-americana desigual e institucionalmente atrasada. Reproduz, em larga medida, a mentalidade iníqua e atrasada que ainda tem fôlego até em um país industrializado e rico como o nosso.

É por conta de Honduras ser essa mini América Latina que assusta tanto o precedente de um grupelho de “trogloditas de direita” (perdão, mas não resisti à expressão) derrubar um governo detentor de legítimo e inquestionável mandato popular.

Diante de tais fatos é que surgiu a reflexão que intitula este texto, um texto envolvendo o estágio civilizatório não só do Brasil, mas de toda a América Latina.

A espantosa e inacreditavelmente explícita adesão da imprensa e da oposição tucano-pefelista às teses da ditadura hondurenha não poderia acontecer em um país civilizado. Tal fenômeno, ao suceder aqui, revela o quanto ainda estamos distantes da plena civilização deste país.

Em qualquer nação civilizada ninguém teria coragem de defender o que o mundo inteiro condena com veemência poucas vezes vista. Não me lembro de outra oportunidade em que houve um consenso mundial tão completo sobre um fato estritamente político. Só num país ainda incivilizado a imprensa poderia dedicar 99% de seu espaço a demonizar a vítima do golpe enquanto despersonaliza os golpistas, poupando “Gorilleti” de qualquer crítica pessoal.

Quantas charges ridicularizando e acusando Manuel Zelaya você viu nos jornalões e revistões e quantas viu fazendo o mesmo contra “Gorilleti”? No segundo caso, eu, ao menos, não vi nenhuma – vejam bem: nas Folhas, Vejas, Estadões e Globos.

No Brasil e em outros países latinos conseguimos produzir o fenômeno de a imprensa atacar muito mais o golpeado do que os golpistas. Se alguém se der ao trabalho de fazer essa pesquisa nos veículos supra mencionados ou em seus apêndices, espantar-se-á ao constatar o fato.

Apesar de nos EUA e no resto do mundo rico ser possível ver, aqui e ali, algum tarado defendendo o golpe ou dizendo que não existiu, são manifestações absolutamente escassas e totalmente envergonhadas. Aqui (na América Latina), elas dominaram a grande imprensa.

Pior ainda foi constatar, ao menos no Brasil, a existência de uma ínfima minoria de acadêmicos dispostos a legitimar o estupro da democracia que ocorreu em Honduras. E constatar que, em meio a uma maioria avassaladora de estudiosos de direito internacional que condenaram o golpe, os meios de comunicação dão muito mais espaço às raras exceções dos que defendem alguma “legalidade” desse golpe.

Isso por que essa imprensa latino-americana acha que seu público não tem cultura e noção do que é democracia o suficiente para entender o absurdo que é a defesa do golpe em Honduras. Porque a direita e seus jornais e tevês querem manter a receptividade popular a golpes de Estado, receptividade que sempre vigeu nesta parte do mundo, pois golpes sempre foram o instrumento das elites quando a ralé, amplamente majoritária, não lhes acompanhou as decisões eleitorais.

Não tenho a menor dúvida de que, neste momento, nada mais importa além de o mundo livre impedir que o golpe de Estado em Honduras tenha sucesso.

A desenvoltura com que grandes empresas de comunicação e partidos políticos defendem o golpe e até, absurdo dos absurdos, o ataque feroz (com cerco, bombardeio sonoro e gás tóxico) dos golpistas ao território brasileiro que é nossa embaixada em Honduras, fala ainda mais sobre o estágio pré-civilizatório em que se encontra este país.

Não basta derrotar os golpistas hondurenhos. É preciso explicar aos brasileiros, didaticamente, por que não se pode aceitar precedentes antidemocráticos, e por que, num país civilizado, quando ele é atacado toda a sua sociedade deve se unir.

Alguém minimamente informado é capaz de conceber o congresso norte-americano ou o parlamento francês deixando de condenar um cerco – e tantas outras afrontas – a uma de suas representações diplomáticas? Seria impensável, mesmo que essa representação tivesse praticado de fato alguma ingerência indevida no país em que estivesse sediada.

Mas, aqui no Brasil, a oposição no Congresso defende abertamente os que esbofeteiam o país. Sem nenhum constrangimento.

É aterrador o que a crise em Honduras revelou. A mídia, o PSDB e o PFL apóiam o golpe e tratam de tentar desmoralizar Zelaya porque querem manter no imaginário popular a aceitação do golpismo, a idéia que tanto já venderam de que derrubar governos legitimamente eleitos é aceitável se, depois do golpe, os golpistas forjarem uma eleição, mesmo sendo uma eleição em que o povo votaria sob a mira de armas.

Para mim, portanto, nada mais importará enquanto a crise hondurenha não for resolvida, pois estamos muito distantes da civilização para nos darmos ao luxo de permitir que nosso povo não entenda plenamente por que não se pode aceitar golpes de Estado. O presidente Lula perdeu uma excelente oportunidade de fazer um pronunciamento à nação.

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