Eles combatem o social
Atualizado às 21h23m de 18 de fevereiro de 2010
Parte dos mais de cem comentários de leitores ao último post que escrevi sobre cotas para negros nas universidades públicas me fez refletir sobre esse setor da sociedade que combate furiosamente os programas sociais do governo Lula enquanto diz que tais programas são iguais aos de FHC, ex-presidente que parte dessa parte dos comentaristas assume que prefere. O fato, porém, é que venho constatando, em um blog que criei não só para explicar mas também para entender, que oposicionistas assumidos e dissimulados ao governo Lula não gostam dele porque, primordialmente, não querem distribuição de renda e de oportunidades no Brasil. São todos de classe média para alta, esses que integram tal setor da sociedade. Em parte altamente expressiva, são moradores ou oriundos dos Estados do Sul e do Sudeste do Brasil, com destaque para São Paulo. Não lhes tenho as fotos nem os conheço pessoalmente, mas tenho certeza absoluta de que, também em grande parte, são brancos e descendentes de europeus. Uma indicação disso são seus nomes estrangeiros e a outra é o seu discurso. Porém, alguns poucos, raríssimos, são negros... De qualquer forma, são visceralmente contra os dois programas sociais mais exitosos do governo Lula, o Bolsa Família e as cotas para negros em universidades públicas, apesar de que o PROUNI é mais abrangente e menos repudiado, além de também sofrer oposição de parte daquela parte dos comentaristas que mencionei no primeiro parágrafo. Apesar de os inimigos dos programas sociais fazerem parte de uma minoria cadente (do ponto de vista numérico), eles são extremamente barulhentos porque os discursos anti-sociais declarados ou dissimulados que entoam são os que praticamente todos os grandes jornais, tevês, rádios, revistas semanais e portais de internet fazem prevalecer através da supressão ou da minimização do contraditório. No caso do Bolsa Família, são mais radicais: seria “esmola” e “compra de votos” e pronto. Fazem de conta que não escutam ou lêem quando se argumenta que o programa é mundialmente reconhecido como eficiente e apropriado, ou que esse programa gerou a nova classe média emergente que, inclusive, salvou o país da derrocada econômica no ano passado ao continuar consumindo enquanto as elites se retraíam, apavoradas. Mas quando eles não têm como atacar o Bolsa Família por seus méritos ficarem mais evidentes naquele momento, dizem que é mera “continuação” do que fazia FHC. Então se recusam a reconhecer que os investimentos e a reestruturação do programa de transferência de renda levado a cabo por Lula são ações que impedem comparação com o programa de natureza análoga executado pelo antecessor do atual presidente. Já na questão das cotas para negros, o discurso dos adversários dos programas sociais é mais elaborado, ainda que recorra à mentira pura e simples. Nesta questão, a ordem dos inimigos do social é enganar o maior número de pessoas possível. Como não querem aceitar a premissa de que há discriminação racial no Brasil, escrevem livros neste sentido e falam de uma “democracia racial” reiteradamente desmentida pela exclusão do ensino superior da etnia majoritária neste país. Os afrodescendentes são mais de cinqüenta por cento dos brasileiros, mas ocupam cerca de dez por cento das vagas no ensino superior público. A questão, portanto, é racial, por mais que inexistam raças. E, como raças não existem, os que querem perpetuar essa situação de exclusão racial – uma situação de existência comprovada – tratam de distorcer os fatos. A primeira forma de manutenção da desigualdade racial no ensino superior público consiste em simplesmente não aceitar a existência do problema racial que os números COMPROVAM que existe nesse mesmo ensino superior público, qualificação que fico repetindo para não tentarem confundi-la com a do ensino superior em geral, onde o problema vai ficando menor graças ao PROUNI. O problema é que o ensino superior público é pago por duas quase metades da população, uma branca e outra afrodescendente, mas a primeira “quase metade” fica com percentuais de cinqüenta, sessenta, setenta e até oitenta (!) por cento das vagas e a outra com cerca de dez por cento. O problema é “só” esse. Estando provado que há um problema racial na distribuição de vagas entre as duas maiores etnias do país, um problema que eu diria bastante grave, a questão, agora, é saber como resolvê-lo. Pergunto, pois: um problema racial deve ser resolvido com uma medida racial ou com uma medida etnicamente genérica? Aí eles vêm dizer que raças não existem, no que estão certos. Todavia, apesar de raças não existirem, nunca há dúvida sobre quem é ou não negro na hora de discriminar quem tem a pele mais escura ou apenas traços de negro devido ao cabelo, aos lábios, ao nariz. Vão aos clubes chiques de São Paulo ou do Rio, por exemplo, e verão como eles sabem discriminar. Peguem qualquer um dos beneficiários das cotas e levem-no para uma sala de aula de um curso de medicina da USP e comparem-no, fisicamente, com a maioria absoluta que há ali e verão a disparidade. Podem negar, mas só para quem não fizer o teste. É por isso que praticamente não existem médicos negros em São Paulo, seja no sistema público de saúde ou no privado. O mesmo se repete em muitas partes do Brasil. Mas como em São Paulo se conseguiu manter mais o bloqueio a negros na medicina, por exemplo, provavelmente o fenômeno irá durar mais tempo. Mas no resto do Brasil as coisas estão mudando e é graças a cotas étnicas. Contudo, há outras estratégias dos inimigos do social para fazerem prevalecer seus interesses. Uma delas é cooptar negros satisfeitos com o merecido sucesso na vida que alcançaram através da educação valendo-se de eles aparentemente terem esquecido como é duro e injusto não ter perspectiva de sucesso na vida por não ter a cor “certa” da pele. Outra forma é propor cotas que não funcionem, as ditas cotas “sociais”, que se baseiam em um patamar mínimo de renda. Têm a vantagem, para quem renega a existência do racismo, de não constituírem admissão da existência desse que é talvez o pior dos preconceitos. Ao não se reconhecer o racismo ficaria mais fácil esconder que ele existe, ao menos na cabeça dessas pessoas. O problema é que cotas sociais não são tão efetivas quanto as raciais. Basta comparar as instituições de ensino que têm só as primeiras com as que têm as duas que se constará que universidade com cotas raciais abriga percentual maior de negros. Isso acontece porque, ao se estabelecer um patamar de renda para benefício das cotas, os que estiverem em melhores condições de competir naquele segmento social continuarão ficando com as vagas, e os que têm maior condição de competir são sempre os brancos, do que o problema racial no ensino superior público, que descrevi acima, é prova inconteste. A preocupação de todos os que querem justiça social deveria ser corrigir uma distorção grave em nossa sociedade, baseada simplesmente na cor da pele e nos traços exteriores das cabeças das pessoas. Esses que combatem o social, no entanto, sejam eles grandes meios de comunicação ou os membros predominantemente brancos do topo da pirâmide social, agem para manter a desigualdade racial. Aqui foi descrito, pois, como eles agem, esses que combatem programas sociais que inegavelmente estão nivelando o Brasil regional e racialmente. E conhecê-los é o primeiro e o mais importante passo para combater seus esforços vis.
Dados públicos e notórios
Apesar de haver uma vastidão de dados disponíveis na internet que comprovam todas as afirmações que faço neste post sobre a situação de exclusão do negro que ainda persiste no ensino superior apesar das combatidas iniciativas para mudar esse quadro, por absoluta má fé alguns leitores pedem provas de dados que são amplamente conhecidos por todos os que se dedicam à questão. Trocando em miúdos: ninguém sério nega que a proporção de negros e mestiços nas universidades públicas é absolutamente desigual em relação à de brancos, e ninguém nega que os negros e mestiços, de acordo com dados recentes do IBGE amplamente divulgados, já são maioria entre a população brasileira, tendo ultrapassado os 50%. Desta maneira, começo a divulgar dados que comprovam minhas afirmações. E, para começar, o gráfico abaixo demonstra a situação encontrada por Lula nas universidades públicas quando assumiu, no que tange à distribuição de vagas por etnia nessas instituições. Clicando no gráfico abaixo, você terá acesso a um estudo bastante detalhado da época. Começarei, também, a publicar com freqüência informações mais detalhadas para demonstrar que a desigualdade racial no ensino superior é gravíssima no Brasil, conforme afirmo no texto que inicia este post, e que esse problema precisa de solução específica, pois é um problema específico que vitima aqueles dos quais os interesses particulares não comparto, mas apóio.
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