Vocês, bárbaros. Ou a panela Rio-São Paulo-Brasília
Atualizado em 07 de agosto de 2009 às 13:39 | Publicado em 07 de agosto de 2009 às 13:34
por Luiz Carlos Azenha
Outro dia um leitor do Viomundo me mandou um e-mail com um puxão de orelhas. Dizia que eu havia mencionado o Ali Kamel -- diretor de Jornalismo da TV Globo -- sem explicar quem era o personagem. Disse que ele havia encaminhado meu texto a uma amiga, que perguntou de volta: quem é o Kamel?
Pedi desculpas ao leitor. Foi uma demonstração que eu mesmo produzi de uma das doenças do Jornalismo brasileiro, que é refém de uma panelinha formada por profissionais do eixo Rio-São Paulo-Brasília. Temos o costume de produzir Jornalismo para nós mesmos. Nossas referencias são os donos dos meios de comunicação e os próprios colegas.
Isso servia até os anos 80, se tanto. Mas a sociedade brasileira se transformou desde então. Desde FHC, mas principalmente desde o início do governo Lula, o Brasil experimentou uma transformação extraordinária. Milhões ascenderam à classe média. Dezenas de milhares tiveram acesso à universidade. As tecnologias de informação -- especialmente o celular e a internet -- ajudaram a incorporar essas pessoas à sociedade de consumo e da informação.
Acentuou-se, portanto, o descompasso entre uma sociedade em que os grandes meios de comunicação são controlados por um pequeno grupo de famílias e a sociedade que precisa incorporar as opiniões e demandas sociais de milhões de novos "atores". Gente que nunca foi considerada antes pela panelinha Rio-São Paulo-Brasília agora quer opinar. Quer participar. Quer ser ouvida.
Esses "bárbaros" incomodam. Eles não aceitam mais que a opinião seja ditada de cima para baixo a partir dos doutores dos centros tradicionais de conhecimento, como a Universidade de São Paulo. Eles não aceitam mais que as regras do debate político sejam fixadas por meia dúzia de editores de jornais. Eles não aceitam que o Ali Kamel -- diretor de Jornalismo da TV Globo -- aja como senador eleito, pautando o debate político no Congresso como se fosse uma reunião de pauta do Jornal Nacional -- o telejornal exibido entre as duas novelas da emissora, em horário nobre.
Sim, meus caros, os tempos já exigem que a gente explique que o Jornal Nacional fica entre duas novelas, numa emissora chamada Globo. A sociedade brasileira é muito mais complexa, hoje. Nem todo mundo se pauta pelo Jornal Nacional. Nas regiões metropolitanas há nichos de mercado, há tribos que não se guiam pelo que diz a Folha -- o matutino paulista que tira 300 mil exemplares.
Essa sofisticação da sociedade brasileira, por assim dizer, terá reflexo em todos os campos. A idéia de que o PT e o PSDB conseguirão, no Brasil, reproduzir o pacto de Punto Fijo -- pelo qual dois partidos da Venezuela se revezaram no poder até serem varridos por Hugo Chávez -- só cabe na cabeça de alguns petistas e tucanos que se julgam espertos. A ascensão dos "bárbaros" reserva surpresas que nossa classe política nem começou ainda a entender.
A angústia que percebo em alguns colegas, atônitos com a invasão dos bárbaros, saudosos dos tempos em que tudo parecia muito mais simples e hierarquizado, atribuo às dores do parto. O reacionarismo perplexo de alguns editores atribuo à falta de vontade de estudar ou entender esse fenômeno. Como dizia aquele velho personagem do Chico Anísio -- humorista aposentado da TV brasileira -- "a ignorança é que astravanca o pogressio".
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